A certa altura de seu romance Ilusões perdidas, Balzac refere-se a uma obra então muito difundida entre jovens parisienses ?ávidos por leituras e desprovidos de dinheiro?. Trata-se da misteriosa narrativa que se apresenta aqui ao leitor brasileiro, a qual Thomas Mann caracterizou como ?novela fantástica?, apoiando-se certamente na breve definição formulada por Goethe em 1827: ?Pois que outra coisa é a novela senão um acontecimento inaudito??. Em torno de um episódio dos mais peculiares (a troca da sombra por uma inesgotável ?bolsa da fortuna?), Chamisso elaborou uma história que, desde a sua publicação em 1814, vem suscitando as mais variadas interpretações. Pois o que significa propriamente essa sombra que o ambicioso Schlemihl cede ao ?maligno? e cuja falta o faz mergulhar na mais profunda miséria humana, que ele só consegue superar ? agora então como botânico ? mediante um retorno à natureza de caráter maravilhoso, mas também tipicamente rousseauniano? Simbolizaria a ausência de sombra uma condição vivenciada pelo próprio Chamisso, a do homem sem pátria e sem raízes? Estaria a sombra figurando a solidez burguesa, o prestígio social calcado na aparência? Seria ela enfim uma espécie de ?alma exterior?, para recorrer aqui à famosa teoria esboçada por Machado de Assis no conto ?O espelho??